ARBOR Ciencia, Pensamiento y Cultura 197 (799)
Enero-Marzo, 2021, a597
ISSN: 0210-1963, eISSN: 1988-303X

Reseñas de libros

BOOK REVIEWS

Manuela Barreto Nunes

Copyright: © 2021 CSIC. Este es un artículo de acceso abierto distribuido bajo los términos de la licencia de uso y distribución Creative Commons Reconocimiento 4.0 Internacional (CC BY 4.0).

Maria Manuel Borges e Elias Sanz Casado (coord.). Sob a Lente da Ciência Aberta: olhares de Portugal, Espanha e Brasil. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2021. ISBN 978-989-26-2022-0. doi: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2022-0

Com coordenação de Maria Manuel Borges e Elias Sanz Casado e a chancela da Imprensa da Universidade de Coimbra, acaba de ser publicado o livro Sob a lente da Ciência Aberta: olhares de Portugal, Espanha e Brasil.

São 18 capítulos que reunem trabalhos de 31 autores, apresentando um retrato multifacetado e abrangente do estado da ciência aberta nos três países, sem descurar a contextualização a nível europeu e mundial, o percurso histórico e as perspectivas de futuro. Esta visão plural, produzida, em diversos capítulos, em colaboração, nalguns deles plurinacional, junta investigadores e profissionais de referência do universo iberoamericano a outros mais jovens, o que vem acentuar a diversidade dos olhares e das perspectivas de análise, enriquecendo sobremaneira o conteúdo da obra, que alia a experiência à inovação e a perspectiva da profissão ao conhecimento científico.

Se, de acordo com os coordenadores, «É sob o signo da Ciência Aberta que a comunicação da ciência se faz hoje», a construção deste livro encontra o seu fundamento na necessidade de «repensar o que são os ciclos de produção, disseminação e avaliação da ciência, um objeto em fuga quando se pretende fixá-lo dentro de parâmetros que ainda correspondem ao universo atual, ao mesmo tempo que se procura antecipar o futuro por força da tecnologia digital».

É, assim, procurando fixar o objecto, que se desenha um percurso de contextualização do tema na sua origem e evolução e de reflexão sobre o objecto na sua complexidade e, abrindo caminhos de futuro, se apresentam estudos de caso e exemplos de boas práticas, fazendo o balanço de provas dadas em experiências desenvolvidas nos três países no âmbito da ciência aberta.

Uma análise atenta dos 18 capítulos que compõem esta obra é reveladora de várias possibilidades de agrupamento temático, identificando-se cinco áreas fundamentais de abordagem, muito embora algumas se entrecruzem:

  • uma, de carácter mais reflexivo e conceptual, tanto se debruça sobre a história da comunicação científica (cap. 1, Autran) como discute a validação da ciência (cap. 4, Lopes & Borges) ou o papel dos arquivistas e dos arquivos na ciência aberta (cap.7, Freitas & Corujo); a segunda área de abordagem que nos permitimos destacar é a profissional, sendo relatados projectos de digitalização (cap. 13, Miguéis & Fiolhais), analisados aspectos tão fundamentais como os direitos de autor (cap. 9, de Fernández-Molina, Silva & Martínez-Ávila) e propostos novos serviços, sempre do ponto de vista das bibliotecas e dos bibliotecários do ensino superior (cap. 8, Amante & Inácio);

  • um terceiro tipo de abordagem contempla aspectos sociais e de comportamento que se consubstanciam num estudo de caso sobre o posicionamento dos Historiadores face, sobretudo, à publicação em acesso aberto (cap. 5, Guardado), na apresentação de um modelo de análise dos comportamentos de partilha (cap. 6, Veiga, Silva & Borges), na visão dos gestores de repositórios (cap. 10, Miguéis e Neves) ou na análise de impactos, quer no âmbito da repercussão social das publicações em acesso aberto, usando métricas alternativas (cap. 16, Filippo & Lascurain), quer do posicionamento das universidades nos rankings, que começam a incluir indicadores relacionados com a ciência aberta (cap. 15, Pandiella & Sanz Casado);

  • a quarta forma de abordagem detém-se sobre as políticas, quer relacionadas com a inovação e a responsabilidade social dos investigadores no contexto da produção científica financiada por dinheiros públicos (cap. 17, Guimarães), quer com o caso especial da edição de monografias (Cap. 12, Cordón García, Gómez Díaz & Muñoz Rico), quer ainda com a ciência cidadã (cap. 18, Albagli & Rocha);

  • finalmente, a abordagem tecnológica, com menor peso na totalidade da obra, embora centrada em aspectos fulcrais para todo o processo da ciência aberta, inelutavelmente ligado às tecnologias digitais, introduz aos repositórios de nova geração (cap. 11, Ferreras Fernández) e aborda as infraestruturas dos sistemas CRIS (cap. 14, Ribeiro).

Sendo impossível abordar no espaço que nos cabe todos os capítulos desta estimulante obra colectiva, destacaremos aqui seis, pela especial qualidade da reflexão e sistematização do conhecimento, carácter inovador e potencial impacto na promoção da ciência aberta.

Comecemos por nos deter no primeiro capítulo, da autoria de Marynice de M. M Autran, da Universidade Federal da Paraíba, sobre a Gênese, Evolução e Tendências da Comunicação da Ciência. O capítulo apresenta uma visão dinâmica e teoricamente bem sustentada da história do conceito e do processo da comunicação em ciência. O olhar de Marynice Autran começa por pousar na Idade Moderna e no Iluminismo para recuperar o papel que, quer, em primeiro lugar, as sociedades e academias científicas, mormente através da intensa correspondência entre investigadores, quer, num segundo momento, a imprensa científica, tiveram na comunicação e produção de conhecimento e no desenvolvimento tecnológico. Sem sobressaltos cronológicos, a autora orienta o leitor até à atualidade e à explosão da informação, com a multiplicidade de formas de publicação e comunicação que considera evidenciarem, desde logo, a entrada num mundo «open», «em estado de ebulição», que torna «as possibilidades da comunicação científica infinitas» e impossível a antevisão do futuro, tantas são as alternativas, e tantas as incertezas, fruto dos permanentes avanços da tecnologia digital. Solidamente fundamentado, altamente instrutivo e de leitura aliciante, este capítulo nasce da tese de doutoramento da autora e teria ganhado com a atualização das fontes bibliográficas, uma vez que a mais recente data de 2013, e é sabido que a comunicação científica, nesta época de rapidíssimos avanços tecnológicos, viveu uma acentuada evolução desde então. Nesse sentido, a parte dedicada à evolução e tendências da comunicação em ciência sai algo limitada, como aliás a própria autora reconhece, o que em nada afeta a elevada qualidade da parte mais substancial do texto, que tem como objeto a descrição reflexiva dos primórdios do intercâmbio de ideias e descobertas e do debate científico na Europa Moderna, com especial destaque para a França.

Num tema tão estudado e debatido nos últimos anos como é a ciência aberta, é difícil ser-se totalmente original na abordagem aos vários aspectos que a caracterizam e às tendências que se veem afirmando. Não obstante, é com prazer e renovado interesse que lemos o capítulo assinado por Susana Lopes e Maria Manuel Borges, o quarto na ordem do livro, sobre A validação da ciência: dos processos tradicionais aos novos modelos. Desta vez, o olhar incide sobre a revisão editorial por pares, um «mecanismo essencial na validação da ciência» que, não obstante, «tem sido alvo de críticas e falhas na adaptação à publicação em meio digital», razão mais do que suficiente para justificar um estudo que permita identificar os problemas das formas tradicionais de validação da ciência e, em particular, a avaliação pelos pares, os principais enfoques do debate e a perspectiva da ciência aberta. Usando de uma linguagem clara e elegante, as autoras apresentam uma descrição ilustrada e madura sobre a matéria, discutindo de forma exaustiva as distintas abordagens dos autores mais destacados e levando o leitor a acompanhar com gosto uma reflexão que respeita o pensamento de cada um e faz sobressair os seus contributos mais importantes. O trabalho de Lopes e Borges é assumidamente crítico, o que em nada perturba o rigor da análise, e posiciona-se na defesa de um dos pilares da ciência aberta, que é a revisão por pares aberta. Esta posição, apresentada nas conclusões, considera ser a revisão por pares aberta aquela que melhor responde «aos problemas identificados na literatura» e às críticas concretas de falta de transparência e rigor que a maior parte dos autores fazem às formas tradicionais de revisão. O capítulo torna-se mais interessante ainda pela simbiose do discurso com os princípios da ciência aberta, com os quais interage no tempo, no modo e nas conclusões e é por isso, também, um exemplo de uma forma específica de pensamento implicada com as potencialidades trazidas pela tecnologia digital.

No domínio dos estudos de caso, o capítulo quinto chama-nos a atenção por se debruçar sobre a forma como um tipo específico de investigadores se posiciona face à ciência aberta, ou seja, passa-se aqui do olhar dos promotores da ciência aberta para o olhar dos produtores de ciência numa área cheia de particularidades como são as Humanidades. Em Visões epistémicas sobre o Acesso Aberto: o caso dos historiadores portugueses, Cristina Guardado apresenta os resultados das entrevistas que realizou as dirigentes de Unidades de Investigação e Desenvolvimento (UID) Portuguesas do campo da História, área científica que, de acordo com um estudo da Comissão Europeia, de 2019, não ultrapassa os 20% de publicações em acesso aberto, parecendo, portanto um universo algo recalcitrante relativamente a esta forma de publicação. De uma forma sucinta, mas bem ilustrada com excertos das entrevistas e citações da literatura, o texto permite conhecer e compreender as opiniões dos responsáveis das UID que, em conclusão, não parecem divergir muito das dos investigadores de outras áreas: reconhecendo as vantagens do maior impacto das publicações em acesso aberto, denotam-se preocupações relativas à proteção dos direitos de autor. Este capítulo apresenta um retrato fixado no tempo e que a própria autora considera dever ser replicado face às mudanças na política da Fundação para a Ciência e Tecnologia, que introduziram obrigações relativamente às publicações científicas em acesso aberto, alterando o panorama. Para lá da perspectiva dos dirigentes, falta ao estudo o olhar dos próprios investigadores para se compreenderem bem as especificidades de um grupo científico que tem aderido muito lentamente ao acesso aberto e, de forma mais genérica, à publicação digital, e é reconhecido pelos próprios entrevistados como tradicionalista. Qualquer replicação do estudo deverá ter esse factor em conta, sob pena de se continuar a apresentar uma visão limitada aos dirigentes e que não reflecte verdadeiramente a comunidade dos investigadores.

Particularmente inovador, ao trazer à colação o papel dos arquivistas na ciência aberta é o capítulo 7, intitulado Dados abertos, ciência aberta e arquivos: uma equação complicada?, da autoria de Maria Cristina Vieira de Freitas e Luís Corujo. Seguindo o anúncio do título, o capítulo está recheado de perguntas a que vai procurando responder, esclarecendo conceitos, precisando ideias, entretecendo argumentos a partir da análise do real e do estado da questão tal como exposto por autores de referência em trabalhos muito actuais. Os autores querem compreender a equação: se a Arquivística tem um papel a desempenhar na gestão de dados científicos, qual seria o papel do arquivista nesse processo e que experiências existem noutros países de que se possam tomar exemplos. Para esclarecer a complexa trama de matérias com que se defrontam exploram a temática a fundo, nada considerando como óbvio: «o que significa o termo o pesquisador?», interrogam; «quais são os atores/interlocutores envolvidos [nos repositórios] e quais são os interesses em jogo?». Da curadoria digital ao processo de decisão na preservação, às teses pós-modernas sobre a avaliação arquivística, à literacia de dados, nada escapa a esta escavação conceptual na demanda de respostas às perguntas de partida, demanda essa inevitavelmente ancorada na questão central do open government, em que inevitavelmente os arquivistas estão implicados. Na segunda parte do estudo intenta-se a resolução da equação, apresentando projectos e iniciativas de dados abertos, multidisciplinares e interdisciplinares envolvendo a intervenção de arquivistas e que demonstram claramente a importância da existência de políticas que regulamentem as práticas ao longo de todo o circuito da gestão de dados. Estimulante para os arquivistas será o remate da primeira das partes em que se estrutura o capítulo: «Os/as arquivistas têm vindo a sair daquela zona de conforto identificada com os ambientes burocráticos em que se encontravam e estão a ser atraídos/as para os contextos nos quais se deparam com vastos contingentes de dados a gerir e que se governam por uma lógica diferente. Toda essa consciência de que há um novo papel profissional a ser desempenhado, em muitos sentidos inclusivamente mais flexível e mais exigente, tem levado os/as arquivistas mais bem posicionados/as a percecionarem já algum incremento da sua relevância na, e para a, comunidade».

Juan-Carlos Fernández-Molina é um dos mais reconhecidos especialistas em direitos de autor da comunidade da Ciência da Informação em toda a Península Ibérica. Numa colaboração internacional, assina com Eduardo Graziosi Silva e Daniel Martínez-Ávila o capítulo nove, intitulado Ciencia abierta y derechos de autor: servicios proporcionados por la biblioteca universitaria. O tema é central para o acesso aberto à informação e aos dados científicos, e o contributo deste capítulo para a compreensão do fenômeno do ponto de vista da acção das bibliotecas universitárias junto de docentes, investigadores e estudantes será certamente positivo e propiciador de novo conhecimento para os profissionais. Como se viu, aliás, em capítulo anterior, um dos grandes problemas dos investigadores na adesão ao acesso aberto é a desconfiança, um medo crônico, simultaneamente, de incorrer em ilegalidades e de ser vítima de plágio, fenômenos resultantes da falta de conhecimento relativamente à proteção dos direitos de autor na edição digital aberta. Pois este capítulo confirma-o, apoiando-se em numerosos estudos internacionais que coincidem nas conclusões sobre a escassez de conhecimentos de investigadores e estudantes que chegam a confundir los conceptos más básicos y elementales.

O livro encerra com chave de ouro, apresentando o olhar da investigadora brasileira Sarita Albagli sobre a Ciência cidadã no Brasil. Tema na ordem do dia na comunidade científica, mas ainda insuficientemente aprofundado e aplicado, a ciência cidadã constitui uma das mais estimulantes tendências da ciência aberta. Embora se dedique especificamente à situação da ciência aberta no Brasil, o capítulo explora o conceito de forma muito clara e abrangente, contextualizando-o no devir histórico e apresentando projectos que esclarecem o seu significado e importância para a ciência e a democracia. Ao estabelecer a ligação paradigmática entre a fast science e a slow science proporcionadas por esta forma participativa de fazer ciência, a autora sugere que essa aparente contradição é, na verdade, «complementaridade e sinergia [que] podem ampliar significativamente a qualidade dos resultados da pesquisa e seus usos sociais». Termina realçando que não é, porém, suficiente para resolver as desigualdades no acesso ao conhecimento, que dependem das relações de poder e das políticas. Essa é, aliás, uma conclusão quase unânime que se pode inferir da maior parte dos capítulos deste livro: à parte a confiança, que aqui se fundamenta, na ciência aberta, é inegável a sua dependência de políticas e da solidez dos processos democráticos, sem os quais o seu desenvolvimento e impacto saem fortemente prejudicados.

Este livro reflecte um trabalho colaborativo sólido e sustentado em anos de investigação conjunta entre universidades, institutos e centros de investigação portugueses, brasileiros e espanhóis, espelhando uma linha comum de pensamento e acção com impacto internacional; não obstante as qualidades desiguais dos capítulos emerge uma obra de fôlego, que apresenta e discute a problemática da ciência aberta de forma caleidoscópica, actual e inovadora e ficará certamente como um marco e uma referência na publicação sobre o tema nos três países.